domingo, 22 de julho de 2018

"Meu pai era moleke de rua, vivia pedindo comida e roubando. Ele tinha família mas era como se não tivesse. Cresceu no movimento do hip-hop, participando de campeonatos de dança, e usando muita droga.
Minha mãe foi bem criada, e tinha quem apostaria nela, pra bancar estudo e dar uma vida melhor. Mas não foi isso o que aconteceu.

Meus pais se conheceram tão cedo quanto abandonaram a escola. Quando eu nasci minha mãe tinha 17, e meu pai 18. Ainda eram adolescentes irresponsáveis que gostavam de sair pra curtir, beber e se drogar.
A familia de ambos sempre ajudaram muito...

Conforme eu fui crescendo, as coisas parecem que foram piorando.
A Paola nasceu e querendo ou não, meus pais tinham que crescer e ser responsáveis.
É aí que começa a vida dura...
Meu pai nunca deixou faltar comida, e nunca encostou em nós duas.
Em nós duas.

Ele bebia e se drogava muito, chegava em casa e batia na minha mãe.
Eu já vi minha mãe apanhar na cara, levar soco, tapa, chute, apanhar grávida, ser grudada pelos cabelos e etc. 
Ele também brigava na rua. Uma vez chegou em casa com os sapatos cheio de sangue. Qualquer pessoa que olhasse torto, tava procurando briga. Tudo era motivo de agressão.
Minha mãe sempre apanhou quieta, sempre esperou mudança e acreditou no amor. Ela trabalhava de empregada, sempre recebendo cantadas e propostas de cara imundos. Sempre sofrendo calada.

As coisas eram muito difíceis pra eles, nossa estrutura de família ainda não tava bem formada. Meu pai trabalhava pra fora, e as vezes ele ficava o mês todo sem aparecer. Essa ausência foi constante até o final da minha adolescência.
Nós nunca passamos fome no sentido literal. 
Mas muitas vezes minha mãe precisava colocar água no leite, pra render mais, e algumas vezes nós bebíamos só água com chocolate, porque não tinha leite. 
As vezes nós precisávamos comer sopa de fubá, por que não tinha comida, mas a sopa era bem temperada e sustentava bastante.
Na maioria das vezes a gente tinha sorte porque íamos na casa da minha bisavó e ela sempre dava comida (as vezes vencida), e isso salvava real.
As vezes meu pai saía em um dia e voltava no outro. Que eu me lembre ele nunca foi tão mulherengo. Ele só foi embora de casa uma vez, com outra mulher quando eu tinha 1 ano de idade. Mas não durou muito tempo até ele voltar. 
Depois, quando ele passava a noite fora, era pra usar drogas. Uma vez ele saiu de casa na sexta, pra trabalhar, e apareceu jogado na área da frente no domingo de manhã, todo sujo de terra. Ainda me lembro da explicação: "tava no buraco, usando pedra".
Muitas vezes recebemos ordens de despejo, por causa do aluguel atrasado.
A chave da minha casa tinha um chaveiro branco e vermelho, com letras japonesas que meu pai roubou super discretamente em uma loja no centro da cidade (eu tava com ele).
Meu tio Spok (irmão do pai) sempre aparecia em casa cheio da grana, pra fazer churrasco. Ele também usava drogas, e roubava pra caralho. A maioria dos caras mais velhos e mais loucos da cidade conhece a dupla dinâmica "kiko e spok", ou como eu prefiro chamar: pai e tio.
As vezes meu pai fazia cola com farinha e água pra nós usarmos.
Todos os dias ele levava a gente pra creche, de bicicleta. Eu era maior e ia no cano, e a Paola ia sentada na garupa.
Nós conhecemos a maconha desde cedo. Meu pai não deixava a gente ficar no meio deles mas, sempre sentíamos o cheiro.

Uma vez, era 01 de janeiro e nós já morávamos na vilinha. Minhas tias e tios estavam em casa comemorando o ano novo. Já era de madrugada e estávamos todos dormindo, menos meu pai e meus tios, que estavam ouvindo musica e bebendo. Então algum vizinho chamou a polícia, e passamos o ano novo com um policial na porta da sala, quase dentro da minha casa discutindo com meu pai.

Meu pai era louco. Já vi ele bater em pessoa que tinha o dobro do tamanho dele.
Uma vez ele meteu uns tapas na cara de um rapaz, porque ele tava andando de bicicleta na mesma calçada que a gente. É claro que nesse dia ele tava louco, como na maioria das vezes em que bateu em alguém.

No começo da minha adolescência eu não falava com meu pai. Mesmo depois que ele parou de usar drogas e de beber, ele ainda era violento. Eu implorava pra minha mãe pra irmos embora de casa."

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